quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Visita à tua última morada

Todos os anos visito a tua última morada no dia que fazes anos e te ofereço uma rosa vermelha. Coloco-a na cruz gravada ao centro da tua sepultura intencionalmente para sentires a sua fragância e de me sentires perto de ti. Não me esqueci de ti nem só me lembro nesse dia. Tu mais que ninguém sabes a falta que me fazes. Perdi-te e ainda era uma menina com o coração cheio de sonhos por realizar, o músculo mais difícil de treinar estava como um estendal repleto de molas com pequenos papéis representando grandes sonhos. Alguns deles já concretizei e sei que tu sorriste e me abraçaste em pensamento quando consegui.
 Aprendi que a minha vida só será feliz se tiver objetivos elevadíssimos por alcançar. Tu ensinaste-me a ser assim, uma alma de pássaro, livre e sonhadora e a colocar no ninho só o que é importante de preservar. Não me irei lamentar por há muito não te escrever, sabes que apesar de me ser intitulado “dom da palavra” a minha escrita torna-se supérflua para expressar a saudade que tenho de ti. Todos os dias quando abro e fecho os olhos para viajar para o mundo dos sonhos, visualizo a tua fotografia que está pregada na parede do meu quarto. Sabes, meu querido e eterno padrinho, finalmente (passados tantos anos!), consegui convencer a minha mãe a pintar a parede do quarto de azul-bebé, desde esse momento que te sinto mais perto, é como se tocasse todos os dias o céu e sentisse que a tua estrela-guia está sempre comigo para onde quer que vá. Gosto quando estou sozinha e coloco o som das colunas no volume máximo e canto. Canto para ti. São pequenos gestos que me abraçavam a alma na infância e continuam. É como idealizasse um palco e canta-se para ti. É uma sensação bizarra mas em simultâneo reconfortante, é como a minha voz chega-se até ti. Arrepio-me. Gosto de visitar a tua sepultura de granito, mas confesso que evito. Contigo aprendi que as pessoas podem partir e desvanecer a sua imagem física e palpável mas que a presença e o coração ficaram sempre connosco. Sei que é o laço de amor que nos une, bem mais forte de que como de família de sangue se trata-se.
Só passados oito anos tive coragem de limpar a tua campa. Magoa-me ver o estado da pedra fruto da naturalidade da erosão do tempo mas distanciava-me do dia, desse momento. Finalmente fui o que me ensinaste a ser e ouvindo o sussurro imaginário da tua voz, as minhas mãos automaticamente apanharam num balde e num pano e limpou a tua sepultura simples e bonita como era o teu carácter. Senti uma sensação indescritível e tão, tão sentida. Senti um arrepio profundo, intenso e incontrolável desde a ponta dos pés até inúmeros fios de cabelo. As lágrimas caíram sob a limpeza já efetuada. Há muito que não chorava por ti no sítio que te vi dormir pela última vez. O sol estava forte e apesar de me encadear muito com a sua luz, não foi por isso que os meus olhos espelharam uma nuvem de saudade e uma consequente precipitação. O ser humano habitua-se a presenças e ausências. O que mais me engoda a alma é saber que pese embora sinta sempre a tua ausência sei que estás sempre presente na minha vida a cada passo que dou. Senti naquele arrepio uma forma de conduta de agradecimento da tua parte foi como dissesses “eu estou aqui, não te esqueci, Laura! Não te esqueças de mim.” Embora me entristeça se um dia subir ao altar vestida de noiva tal como sempre idealizei, estou consciente de que não serei acompanhada de braço-dado por ti mas sei que ai de cima tu olharás sempre, sempre por mim e me ajudarás sempre a escolher o melhor trilho para percorrer.

Existe eternidade porque as pessoas só morrem no nosso peito quando as esquecemos e matamos a sua imagem. Tu és eterno em mim.

Para sempre,

A tua afilhada de nome e coração,

Laura

Um comentário:

  1. Não tenho palavras para expressar a qualidade elevada deste texto! Muitos Parabéns! Assinado jorge

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