sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Cicatrizes da vida

Há as tatuagens simbólicas do momento, as eternas e aquelas estúpidas e sem coerência. Mas existe uma tatuagem mais profunda do que aquela que se grava na pele, é aquela que se desenha sem pedirmos ou idealizarmos o desenho, são as cicatrizes da vida. Estas representam cada momento que viveste seja ele bom ou mau. Não tens que te sentir incomodado com esses desenhos em modo de tattoo no teu peito, eles refletem todas as tuas experiências e consequentes aprendizagens, fazem parte de ti e dizem mais de ti do que julgas, são o espelho da tua alma, o que és a eles deves. Tudo na vida tem o seu tempo e portanto não cries uma guerra com a própria natureza, serás inevitavelmente vencido. Se perdeste um amor, um ente-querido ou seja lá o que for, não tentes arrancar a caspinha da ferida com a mesma força, ira ou nostalgia que te corre nas veias a cicatriz.
O ser humano tende a agir infantilmente quando percebe que há coisas na vida que não dependem exclusivamente dele. A única coisa que tu podes controlar és tu, é a ti, só a ti. A vida circula na medida do seu próprio relógio, os ponteiros só tem uma única direção, assim como deve ser a tua vida, sempre caminhando para a frente. Não sejas infantil, não julgues que podes retirar a caspinha que te faz comichão na pele, mesmo que seja só um pequeno pedacinho, ela vai doer-te na mesma e sabes porque? Porque não é a altura certa para ser tirada, ela sarara por si própria, deixa-a secar sozinha e à luz do tempo, ela curar-se-á naturalmente. Se pensas que a ferida está sarada só porque já criou a dita caspinha, enganaste e bem pois se a retirares vai correr gotinhas de sangue, a nova pele estará muito avermelhada portanto não alteres o tempo das coisas deixa as coisas serem transformadas por ele.
Infelizmente e apesar de vivermos em pleno século XXI ainda moram muitos estereótipos -contra as gentes que tem gravadas na pele as tatuagens no verdadeiro sentido da palavra. E questiono-me, porquê? É simples a resposta. As pessoas vivem de tendências e são conformistas, se um critica, todos criticam e por vezes nem tem argumentos lógicos para utilizar no seu discurso aquando interrogado as razões contra essa perceção. Como costumo mencionar a coisa mais difícil de mudar na vida não é feitios, é as mentalidades. Treinar o pensamento é arte e andam por aqui muita gente armada em Picasso da vida. Qual é a diferença de uma tatuagem na pele e de uma cicatriz no peito? Sê inteligente e acompanha o meu raciocínio, por favor. Se ainda não encontraste a resposta, relê a questão que acabo de te levantar. Conseguiste? Ótimo! A diferenciação está simplesmente no modo de gravar porque a matéria é a mesma. Compreendeste? Passo a explicar-te pormenorizadamente. O que muda é o sítio onde está tatuado o que tu és porque são o x da equação da tua vida. Atinge de uma vez por todas que toda a queda te lesiona e te deixa cicatrizes. Agora é a parte que tu já devias ter-te questionado sobre se tenho ou não uma tatuagem na pele. Respondo-te que não. E tu devias perguntar-me novamente então e porque? É muito simples.  O conceito eterno é relativo para mim mas ainda assim considero que seja uma “decisão para a vida”, ou seja, é um momento que tu decides gravar visivelmente aquilo que vive no motor de ti, do teu coração, é quando tu transportas para a tua pele ou que tens já tatuado no teu mais intimo. Só vale a pena se for para enfatizar. Até poderia inventar agora um provérbio baseado naquele tão usual: “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”, então “olha para a minha pele e visualizas o meu coração”. É tudo uma questão de cicatrizes e só representam alguma coisa de facto se te marcaram, lembra-te disso. O que tu viveste e és está tatuado em ti e não é como tu quando precisas de fazer uma operação que fica normalmente tudo bem. Tu não podes mexer nessas marcas, espelham muito de ti mas não podes viver também condicionado a elas. Solta-te! No fundo cabe a ti decidir a tua vida, o gravado não se desgrava com a mesma facilidade que foi feito mas tu podes contornar ou mudar a conceção do desenho. Está nas tuas mãos!
Não faças nada por fazer nem deixes de fazer aquilo que desejas.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Visita à tua última morada

Todos os anos visito a tua última morada no dia que fazes anos e te ofereço uma rosa vermelha. Coloco-a na cruz gravada ao centro da tua sepultura intencionalmente para sentires a sua fragância e de me sentires perto de ti. Não me esqueci de ti nem só me lembro nesse dia. Tu mais que ninguém sabes a falta que me fazes. Perdi-te e ainda era uma menina com o coração cheio de sonhos por realizar, o músculo mais difícil de treinar estava como um estendal repleto de molas com pequenos papéis representando grandes sonhos. Alguns deles já concretizei e sei que tu sorriste e me abraçaste em pensamento quando consegui.
 Aprendi que a minha vida só será feliz se tiver objetivos elevadíssimos por alcançar. Tu ensinaste-me a ser assim, uma alma de pássaro, livre e sonhadora e a colocar no ninho só o que é importante de preservar. Não me irei lamentar por há muito não te escrever, sabes que apesar de me ser intitulado “dom da palavra” a minha escrita torna-se supérflua para expressar a saudade que tenho de ti. Todos os dias quando abro e fecho os olhos para viajar para o mundo dos sonhos, visualizo a tua fotografia que está pregada na parede do meu quarto. Sabes, meu querido e eterno padrinho, finalmente (passados tantos anos!), consegui convencer a minha mãe a pintar a parede do quarto de azul-bebé, desde esse momento que te sinto mais perto, é como se tocasse todos os dias o céu e sentisse que a tua estrela-guia está sempre comigo para onde quer que vá. Gosto quando estou sozinha e coloco o som das colunas no volume máximo e canto. Canto para ti. São pequenos gestos que me abraçavam a alma na infância e continuam. É como idealizasse um palco e canta-se para ti. É uma sensação bizarra mas em simultâneo reconfortante, é como a minha voz chega-se até ti. Arrepio-me. Gosto de visitar a tua sepultura de granito, mas confesso que evito. Contigo aprendi que as pessoas podem partir e desvanecer a sua imagem física e palpável mas que a presença e o coração ficaram sempre connosco. Sei que é o laço de amor que nos une, bem mais forte de que como de família de sangue se trata-se.
Só passados oito anos tive coragem de limpar a tua campa. Magoa-me ver o estado da pedra fruto da naturalidade da erosão do tempo mas distanciava-me do dia, desse momento. Finalmente fui o que me ensinaste a ser e ouvindo o sussurro imaginário da tua voz, as minhas mãos automaticamente apanharam num balde e num pano e limpou a tua sepultura simples e bonita como era o teu carácter. Senti uma sensação indescritível e tão, tão sentida. Senti um arrepio profundo, intenso e incontrolável desde a ponta dos pés até inúmeros fios de cabelo. As lágrimas caíram sob a limpeza já efetuada. Há muito que não chorava por ti no sítio que te vi dormir pela última vez. O sol estava forte e apesar de me encadear muito com a sua luz, não foi por isso que os meus olhos espelharam uma nuvem de saudade e uma consequente precipitação. O ser humano habitua-se a presenças e ausências. O que mais me engoda a alma é saber que pese embora sinta sempre a tua ausência sei que estás sempre presente na minha vida a cada passo que dou. Senti naquele arrepio uma forma de conduta de agradecimento da tua parte foi como dissesses “eu estou aqui, não te esqueci, Laura! Não te esqueças de mim.” Embora me entristeça se um dia subir ao altar vestida de noiva tal como sempre idealizei, estou consciente de que não serei acompanhada de braço-dado por ti mas sei que ai de cima tu olharás sempre, sempre por mim e me ajudarás sempre a escolher o melhor trilho para percorrer.

Existe eternidade porque as pessoas só morrem no nosso peito quando as esquecemos e matamos a sua imagem. Tu és eterno em mim.

Para sempre,

A tua afilhada de nome e coração,

Laura